domingo, 21 de novembro de 2010

Ninguém pra falar dela

Ela vive de muito sentir e de muito falar. E fala o que sente e, às vezes, até sente pelo muito que diz. Mas ela, ao contrário de mim, vive. E como vive. Vive de muito sorrir e de muito cantar. E ela canta seus sonhos e canta suas dores, a fim de cantar o que sente e, às vezes, até sente pelo tanto que canta e ainda assim não espanta os males que lhe perseguem.

E anda, pra lá e pra cá, com seu rosto de menina, rebolado de mulher e mil desejos guardados no bolso de sua calça colada. Desejos guardados. Guardados e só. Porque ela é assim, de muito desejar e de pouco se satisfazer. De muito sonhar, mas de pouco realizar. E de muito falar, mas de pouco agir. Ela é assim e não gosta.

E ela chora. Bate a porta, tranca o quarto, apaga a luz e chora. Chora por tudo e por nada. Chora pelo pouco que tem e pelo muito que sofre. Chora pelo que passou e pelo que está por vir. Mas sempre num lapso de otimismo se volta pra velha mania de dizer ‘que bom que o pouco é pouco, mas não é nada’ e festeja suas migalhas, com a alegria de quem vê ouro em flores.

Porque ela é assim, de ver coisas que ninguém mais vê e pensar que não pertence a esse mundo, e inventar um mundo diferente pra chamar de seu. E sair por aí cantando seus sonhos e suas dores, a fim de cantar o que sente e espantar o mal que lhe persegue. E só quando isso não é possível, tira um desejo do bolso e o satisfaz. E esquece tudo que costuma lembrar, temer e guardar, como se não houvesse amanhã.

E sou capaz de te afirmar o que tanto parece óbvio, com a certeza de quem nunca errou e quem, por sua vez, nunca existiu: ela não seria ela se assim não fosse. E eu não seria ninguém, como em verdade não sou, se não fosse a vontade dela de ter alguém que dela saiba dizer. Dizer verdades sobre ela, com essa certeza de quem não erra, mas também não existe.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O sonho


Era uma festa. Mas uma festa careta, como nós. E com exceção do lugar, tudo parecia familiar: os rostos, o barulho, o baralho, o violão velho e as músicas repetidas. Eu e você em meio a tudo que costumava ser nosso. “Quer que eu a leve pra casa?” Acordei sem responder.

Sonhos são bem assim. A gente acorda na hora exata: Exata do beijo, da decisão, da confirmação, da chegada, da pergunta e da resposta – que era ‘sim’, por sinal.
Mas não reclamo.

De olhos abertos crio o meu próprio roteiro. E uma chuva de “se” me cai sobre a mente: E se eu tivesse ido? E se no meio do caminho eu te despejasse todas as verdades que fiquei por dizer? Fácil, muito fácil. "Não te culpo, não te julgo e, definitivamente, não te odeio. Eu errei, você errou. Pronto e acabou. Agora me abrace."

Seria simples. Simples como respirar. Simples como nunca pôde ser. Ufa! Pensei que nunca, e o nunca chegou. Chegou quando tudo já foi. Quando a ausência parou de doer e a indiferença tomou o lugar da dor. Mas não pense que não foi real, e não diga que eu nunca te amei, como já fez. Ou diga, se quiser, como eu já disse, o nunca chegou, a indiferença também.

Mas obrigada por essas lembranças, desde as doces até as mais ardidas.

Agora chega de pensar em sonho. Que dia lindo que fez hoje, heim?

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Reencontro

Ontem tive um reencontro com uma parte de mim que eu havia esquecido. Talvez aquela onde faz morada metade da beleza que eu supunha possuir. De longe eu podia notar que os olhos dos que me viam já não demonstravam mais o mesmo encantamento. Deus, como era conveniente acreditar que a culpa era apenas deles, que não sabiam enxergar...

Nessa crença por vezes me acomodei, me aninhei... Isso porque, às vezes, o egoísmo grita tão alto que abafa a voz da consciência. Geralmente quando a gente perde (ou não ganha) algo que, no fundo, no fundo, nunca foi (ou jamais deveria ser) nosso.

E é sempre assim, enquanto o ego metralha suas vontades em caixa alta, a consciência se cala, mas não consente, apenas assume sua posição de defensora incansável do livre arbítrio. Assim ela jamais discute, e quando fala, fala baixinho - talvez por isso seja tão mais fácil ouvir o ego. Um dia, mesmo que num sussurro breve, eu a ouvi dizer nitidamente: “Quem está com a verdade não está para discussões”.

Percebo que sua total discrição está ligada ao seu intuito de não me roubar atenção, como faz o ego. Dessa maneira, me estimula a manter toda essa atenção voltada ao mundo que me cerca.

Foi dessa forma que o reencontro aconteceu. A parte de mim que eu havia esquecido era não só a parte mais bonita, mas uma das mais importantes. A única que sabia que eu estava conectada ao todo, e que assim como eu preciso dele, ele também precisa de mim.

Quando me concentro, confesso que não apenas ouço, mas vejo e sinto a verdade me martelar a cabeça. Sábia consciência que não me julgou em nada, apenas me concedeu um espelho capaz de refletir minha alma, pra que eu mesmo a julgasse.

sábado, 13 de novembro de 2010

Que nem remédio ruim

Fui ao restaurante sozinha, hoje. Olhei pra comida no prato e lembrei minha dor. Lembrei que existem coisas que a gente aprecia, degusta bem devagar, rezando pra não acabar. Outras a gente só engole. Engole fazendo careta. Engole porque tem que engolir. Porque nos empurram goela abaixo, com a desculpa de que vai fazer bem, que nem remédio ruim. Engoli o choro três vezes e quase engasgo com o amargo. Deixei o prato intacto, paguei a conta e saí.