sábado, 29 de janeiro de 2011

Calma, Madalena!


“Madalena, Madalena, Madalena, Madalena, Ma-da-le-na! Ma-da-le-na! Madalena, Madalena, Madalena, Madalena...”

Você já repetiu seu nome mil vezes, rápido, devagar e depois rápido outra vez, até que ele começasse a soar estranho, como se perdesse totalmente o sentido? Sempre faço isso. É engraçado e me lembra o Casé, meu amigo de infância, que foi quem me ensinou essa bobagem, há muito, muito tempo atrás, quando não tínhamos mais nada pra fazer, além de falar besteira e contar bolinhas de gude.

Ma-da-le-na! O povo diz e assino embaixo, sem culpa cristã alguma, que faço jus ao meu nome. Mas sobre isso não falo com ninguém, além do Casemiro, claro. Ontem fui visitá-lo. Eu precisava desabafar, e o Casé sempre foi um bom ouvinte. Hoje então, nem se fala.

Mesmo sendo tão diferente e tão cheio de escrúpulos o Casé nunca me julgou. Da minha vida soube de tudo, desde as peraltices de criança, até as safadezas de “mulher rodada”, como dizem por aqui. E ele sempre foi de ouvir calado, arregalando os olhos e pondo a mão na boca, de quando em vez. E eu me perguntava como, depois de tanto tempo, ele ainda se surpreendia.

Eu e esse meu costume de despejar sobre ele a minha indignação com a vida, a morte e com meus casos e acasos. Mas qualquer que fosse a pauta do dia “Calma, Madalena, calma!” era tudo o que ele dizia e, por fim, me abraçava. Ele me conhecia como ninguém. Meus defeitos, meu egoísmo, minha falta de comprometimento e responsabilidade com o que quer que seja, e meu talento sobrenatural pra magoar pessoas e descumprir promessas. E ainda assim, arriscava-se a ser meu amigo. Sim, porque era um risco.

Quando éramos crianças, eu escondia seu saco de bolinhas de gude sempre que queria sua atenção só pra mim. E ele bem que sabia, mas fingia não perceber. E fingia procurar, depois fingia desistir. Só pra ceder ao meu capricho. “Ah, depois elas aparecem, não é, Madalena? Vamos brincar”. Esse Casé! Sempre dividido entre a Madalena aqui e suas bolinhas de gude.

Ele tinha bolinhas de gude de todas as cores e tamanhos. Fazia coleção. Acho que mais gostava de apreciá-las, do que mesmo de brincar com elas. Costumava contá-las todos os dias, uma a uma. E eu, enciumada, mas sem ter o que fazer, assistia. Era quase um ritual. Duzentos e setenta e nove, a última contagem que me recordo. Quase sempre eu o distraia e o fazia perder a conta. Mas ele nem reclamava. Era um prazer voltar a contar tudo outra vez e repetir sorrindo a cada contagem “Olha, Madalena! A minha preferida. Tem a cor dos seus olhos”.

Naquela época, meus olhos eram mais azuis. Sei disso porque, vez por outra, fito meus olhos no espelho e os comparo a bolinha de gude favorita do Casé, que guardo até hoje, junto às outras duzentas e setenta e oito, é claro. Tá, são duzentas e setenta e cinco. Perdi três. E faz tempo. Mas só ontem tive coragem de contar tudo pra ele.

A visita de ontem foi rápida. Eu tinha bebido um pouco, pra variar, mas acho que me lembro de tudo que disse. Até porque, o discurso era quase sempre o mesmo.

"Oi, Casé. Que saudades! Faz tempo que não venho aqui. Vim te contar as novas, apesar de saber que pra você nada é novidade. Ainda mais nessa cidadezinha de merda, onde tudo se sabe e nada se vê. Continuam dizendo o mesmo de sempre por aí 'Ela não presta, ela não presta'. Ora se não! Claro que presto! Presto pro que não devo e sirvo pro que não presta, não é, Casé? Sirvo de referência para pais e mães que me apontam na rua para seus filhos 'Olha, aquilo é a personificação do pecado e do erro. Um exemplo de como não se deve ser, crianças'. Sirvo de assunto pra rodinhas de conversa do clube do Bolinha e da Luluzinha que são loucos por uma safadeza e se escondem por trás de pudores e medo, mas fantasiam e se divertem por tabela com as mais libidinosas histórias alheias – as minhas, no caso. Falar de mim é uma diversão. Afinal, quem aqui tem uma vida tão emocionante? Você sabe que não ligo pra nada do que dizem. Acho até engraçado. Enfim, sou Madalena, né, Casé? Faço jus ao meu nome. Não chego a ser prostituta, mas sei do que gosto. E gosto é de dar pra um e pra outro. Mas, como diz a história: 'quem não tem pecado que atire a primeira pedra'. Não, Casé, não voltei a acreditar em Deus, mas conheço as histórias da Bíblia. Apesar de tudo, sou estudiosa. Mais por curiosidade, do que por preocupação com o futuro, ou qualquer outra coisa e você sabe bem. Culpa cristã... Quer saber do que a culpa cristã me livrou, Casé? Ela só me livrou de dar pra quem eu queria e de xingar quem merecia. Você é o culpado pela única culpa que me persegue. Eu lá vou sentir culpa, se não faço mal a ninguém? Dizem que faço mal a mim mesma, mas penso que a vida foi quem me faz mal, me tirando você. Sim, porque se você fez o que fez, é porque a vida não estava sendo fácil, e eu me pergunto onde eu estava que não percebi. Talvez entretida com os mandos e desmandos desse rei que impera na minha barriga. Sei que você não gosta quando toco nesse assunto e eu já disse que te perdoei, mas enquanto não tiver coragem de fazer o mesmo que você, vou me perguntar o porquê disso tudo. Tô tentando viver a mil por hora, que é pra ver ser chego por aí mais rápido. Aí quem sabe você me conta por que quis ir embora mais cedo, e assim eu deixe de me culpar por ter sido uma amiga tão relapsa. Tá, já sei. Consigo ver, de olhos fechados, você arregalando esses olhos e pondo a mão na boca 'Não diz isso, Madalena'. Mas é a verdade, Casé. E pra você nunca menti. Falando nisso, preciso lhe confessar algo. Perdi três de suas bolinhas de gude! Mas por favor, não fique chateado. Foram as mais velhinhas. Quebradas até, lembra? Juro que terei mais cuidado.
Bom, preciso ir, Casé. Já está escurecendo. E, não que eu morra de medo, mas cemitério a noite é macabro. Volto amanhã, prometo!"

E eu não voltei. Acho que chegou a hora de enterrar isso de vez. Agora me sinto corajosa demais pro meu gosto. É contraditório, eu sei, mas tanta coragem assim me dá medo. Sei que prometi ao Casé que ia voltar, assim como prometi jamais seguir seu exemplo ridículo. Mas o Casé sabe que nunca cumpro minhas promessas.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Vamos doar conhecimento?

Há quem goste de fofoca é há quem goste de espalhar boas novidades. Que tal espalhar essa aqui? ;) Vale a pena!






Livro é conhecimento, e conhecimendo não se perde quando se doa. Dividir o conhecimento com alguém é uma forma de multiplicá-lo. Então...

#VamosDoarConhecimento?

Este é o convite feito, primeiramente, pelo movimento Quem Escolhe Somos Nós e pelo Supermercado Araújo. Mas que tal convidar, você também, os seus amigos, familiares, clube do Bolinha e da Luluzinha a fazerem o mesmo?

Seja um doador de conhecimento! Contribua com ação doando livros de literaturas e gibis. A cada livro doado, em qualquer que seja a loja do Araújo, você receberá um cupom para concorrer a um iPad e um netbook. A intenção do movimento é montar salas de leitura em diversas instituições. Não esqueça que passar a idéia adiante também é uma forma de colaborar. Divulgue em seu blog, twitter, ou a rede social que preferir. VEM GENTE! ;)

Sigam: @Quem_Escolhe
Tuitem a hastag: #VamosDoarConhecimento

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Solilóquios 1.

Tenho pra mim que as pessoas serão mais felizes quando aprenderem a acolher melhor a tristeza, quando esta se pronuncia. E quando jogarem fora seus livros de autoajuda, seus sorrisos amarelos, e vestirem a roupa da dor até que ela se desgaste. Parei de me dopar. Falsa alegria cansa.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Sorriso Amarelo

‘Tudo bem, João?’ pergunta a Maria. ‘Tudo bem, Maria!‘ responde sempre o João. E ele sorri amarelo, mesmo com aqueles dentes tão brancos de quem não fuma, nem toma café. E quando lhe é difícil respirar, lhe dói o peito, lhe gela o estômago, lhe incomoda um nó que não desata na garganta “Estou bem, Maria” responde João que só sorri amarelo, com aqueles dentes tão brancos.
Um dia andava na rua e vi João passar. Ele andava devagar, como se nem bem quisesse chegar a lugar algum. Olhava pra baixo e nunca pra frente. “Por que você não olha pra frente, João?” E ele me sorriu amarelo, com aqueles dentes tão brancos, de quem não fuma, nem toma café.
É que um dia, olhando pra frente, João viu Maria. “Tubo bem, Maria?” disse o João. E Maria lhe sorriu. E o sorriso de Maria não era amarelo, os seus dentes sim. Era um sorriso colorido e sincero, de quem não carrega dor no peito, nem frieza no estômago, e nem sente nó algum intalado na garganta. Seus cabelos tinham cheiro de cigarro, e João lembrou o beijo gosto-café, que Maria lhe dava todas as manhãs.