quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Já sinto o mar me chamar...

 
 

O vejo acenar em cada tom de azul a pintar o mundo. Já o ouço chamar no barulho das águas que me beijam os pés e me inundam a alma. Sinto em forma de brisa leve, ondas baixas e breves que me arrastam em sonhos. Eu já sinto o gosto do mar que escorre de mim pelos olhos e se encaminha até a boca. Já sinto o mar me chamar pra dizer que é meu, uma parte. Que sou dele uma gota. Sou dele e do mundo.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Férias de nós

Nada nesse mundo me dá tanto trabalho quanto controlar borboletas destrambelhadas no estômago. Especialmente as nascidas por tua causa, com esse quê de mutantes, sanguessugas, chupa-cabras. Desse modo, só por isso, pelo cansaço de ter de andar na contramão para te acompanhar, correndo riscos demasiados, resolvi tirar férias tranquilas de nós. Devo confessar que também é árduo o trabalho de me conter para não te fazer provar do próprio destempero. Para não me igualar a ti, como se eu pudesse tirar férias de mim, resolvi tirar férias de nós. Mas, tão fatalmente obvio, aonde eu vou, estou. Aonde eu vou, estamos. E, em se tratando de saudade, quando os olhos não veem é que o coração sente. Agora preciso te dizer que não há borboleta no estômago, mutante ou sanguessuga, que resista a azia causada por tua constante acidez. Eu sei, parece mais acertado chutar o balde antes que ele fique cheio demais. Passamos da conta, tudo bem. Quando você passou a dizer "Madalena, quando o stresse é maior que o prazer, não vale a pena" eu percebi que sempre fomos, um para o outro, como aquele sapato lindo que no pé nunca coube, e mesmo fazendo tanto calo a gente resiste em desapegar. Então decidi, pra desanuviar as ideias, que pelo trabalho exacerbado de se manter vivo o que nunca nasceu, precisamos de férias eternas. Férias das brigas. Das reconciliações. Do que somos. Das lamentações pelo que não somos. Das borboletas mutantes. De nós.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

"Primo, sabe da última?"

"Quem pode mais do que Deus?", dizia o vô Said debochando da minha juba, quando me via acordar pela manhã. "Vem aqui, ô, Maria Betânia, vamos tomar café". Eu odiava. Chorava, esperneava... Afinal, eu era uma criança sofrendo bullying pelo avô. E hoje me vejo aqui, com o cabelo estirado da progressiva e sem o meu chato predileto. Sempre achei a expressão "aniversário de morte" escrota. Mas faz um ano que ele se foi. Apesar de sentir que entre nós faltou convivência, sei que me sobram lembranças dignas de nota, porque ele era daquele tipo de gente que não passa despercebido. "Primo, sabe da última?", e danava a contar a piada nova. Eu lembro da última, na mesa do almoço, comendo um cozidão... Sinceramente, não vi a menor graça no enredo, mas o piadista era bom. Eu lembro muito bem dele espremendo o limão e rindo sozinho, repetindo o final. "Manja, Alzira", e ria, ria... Às vezes eu acordo e me vem o velho bordão na cabeça. Agora, sem choros de raiva, só de saudade, posso responder: quem pode mais do que Deus? Ninguém, vô. Ele decidiu, há um ano, que estava na hora de findar com as piadas. Decidiu que era chegada a hora do teu descanso. Mas tem um pedacinho de ti em cada filho e neto presepeiro e feladaputa (aquele velho apelido carinhoso) que você deixou, visse? 

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Confissão

No reino das verdadeiras mentiras
Onde o amor é contrato
Compromisso firmado em altar
Simbólicos círculos de ouro algemam os dedos
Enquanto correntes de latão enferrujam na alma
Um velho papel pra assinar

Mãe, eu não quero me casar.

terça-feira, 15 de maio de 2012

afinidade

Foi assim, observando em mim cada coisinha que ele supostamente reprovava, e a ausência de um monte de outras coisinhas que ele tanto amava, que descobri que a afinidade vai muito além de ser ou parecer a pessoa ideal de alguém. Isso porque a pessoa ideal, no sentido de idealizada mesmo, nunca chega perto de nós, pessoas reais, que estamos juntas nos momentos reais, dividindo coisas e até sonhos reais. Tá, para serem consideradas afins, as pessoas precisam ter um ponto em comum. Que tal a vontade de estarem juntas?



*Inspirado em um post da Deyse, essa linda.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ressaca amoral


Já no elevador, eu tive um pequeno lapso de consciência. Uma prévia da culpa que certamente estaria comigo ao amanhecer, chegando matreira e se instalando aos poucos. A imagem no espelho, que ia do chão ao teto, me encarava. Descabelada, maquiagem borrada, roupa amarrotada, ela me perguntava o que eu fazia ali de novo, e o que eu esperava daquilo tudo. É, Madalena, você não tem vergonha nessa cara amassada de bolacha, ela dizia. Desviei o pensamento.

Aliás, a música que tocava o desviou. Porra de sertanejo universitário. Nem os elevadores estão a salvo. No taxi, na volta pra casa, tocava exatamente a mesma. Ou não. Pra mim é tudo igual. Na verdade, eu queria pensar em qualquer coisa, ainda que fosse na descoberta da causa e da cura pra aquela virose musical que tomava conta do país e, por culpa do fresco do Michel Teló, do resto do mundo. Eu só não queria pensar no que tinha acabado de fazer.

Em casa, joguei a bolsa num canto e me sentei no chão frio. Quis me livrar das roupas, dos enfeites coloridos e me despir da falsa alegria que eu vestia pra convencer a mim, a ele e ao resto mundo de que tava tudo muito bem. Tudo muito lindo. Que a gente podia continuar nessa. Ai, ai... Sou tão bem resolvida. Tô numa boa, cara. Nem ligo se sou a uma ou a outra. Nem ligo se eu sou a de sábado a noite ou a de segunda na hora do almoço. Nem ligo se esse canalha me esquece no instante em que eu bato a porta. Nem ligo... Nem ligo... Uma ova.

Pus minha cara de pau embaixo do chuveiro. Fechei os olhos e imaginei a água me lavando a alma. Queria me livrar do nosso cheiro. Daquelas marcas. Mas eu queria mais ainda me livrar daquela máscara de rudeza. Eu queria era deixar de repetir pra mim mesmo esse discurso de gente autentica, desprendida e babaca que eu criei. Eu queria o silêncio. Mas o silêncio nunca é pleno. No meu quarto, o relógio me emputecia num tic-tac ensurdecedor. A vizinha, pra variar, ouvia a porcaria do sertanejo universitário.

Risadas ao fundo. Bomba d'água. Ratos no forro. Desisti. Caí no sono e acordei com a maldita da ressaca. Era assim todas as vezes. Dor de cabeça, boca seca, culpa católica e as velhas promessas de sempre. As velhas promessas de nunca. Nunca mais vai acontecer. Nunca mais eu vou te ver. Nunca mais eu me embriago de você. Nunca mais... Até me render facilmente à próxima crise de abstinência. A próxima mensagem sacana no meio da noite. Com o perdão da expressão, mas, puta que pariu, ressaca amoral é um porre.

domingo, 29 de abril de 2012

Amor parasita


Amigos só querem ajudar. Quando eles dizem pra você esquecer, eles só querem ajudar. E quando eles dizem que não vale a pena alimentar aquele amor bandido, eles também querem ajudar. Não alimente o amor que não vale a pena, eles dizem. Para de falar nisso, vira a página, troca o disco, dá F5, muda de assunto, esquece, segue em frente, reprime, ignora, supera, eles repetem. E você os ouve. E alimenta somente a raiva. Alimenta de lembranças ruins, na esperança de que o amor morra de fome. E o que ele faz? Ele te come. Te come inteiro. Come com raiva e tudo. Te come o estomago e você perde a fome. Te come as lembranças ruins e você só lembra do que foi bom. Te come os olhos e você não vê um palmo a frente do nariz. Ah, ele também te come o nariz. E uns pedacinhos do pulmão. Fica tão difícil respirar... Te come o cérebro, o bom senso, o orgulho, o ânimo, o sorriso... E ele engorda. É sim. Ele engorda. Enquanto você emagrece. O amor se alimenta de ti e sobrevive feito um parasita. Ele só não come saudade e dor. Essas aí ficam intactas, feito brócolis no canto do prato das criancinhas. Mas os amigos só querem ajudar.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Do fim ao começo


Era uma vez... Assim como eram todas as vezes. Madrugada, você deitada na cama encarando o relógio no criado mudo. Eu chutava a porta, depois de tentar, sem sucesso, meter a chave no buraco da fechadura. “Calma, cacete. Já vou abrir”, lá vinha você, bodejando sei lá mais o quê, que de tão bêbado nunca lembrei.

Todas as vezes que eu me via preferir a mesa de bar a tua companhia, lembrava de quando largara meu mundo pelas tuas vontades. Tu querias sair do sítio. E lá fomos nós, jurando amor eterno, prometendo estudar, trabalhar, ter filhos, casar. Não necessariamente nessa ordem.

Nossos planos de amores feitos ao lado dos pés de amora, em cima dos jambeiros e ingazeiros, aos poucos se desfaziam no segundo andar do nosso prédio, onde as paredes me sufocavam. A rotina também. A cidade te tirou aquele ar de menina do campo, Soraia. Flores no cabelo, cara limpa, vestimentas singelas... Teus cachos, que eu tanto amava, você esticou. Tuas unhas agora combinavam com a boca vermelha. Até teu cheiro deixou de ser teu (e meu). 

Depois de meses de bebedeira continua pra fugir de nós, você já tinha aprendido. Com gente bêbada não se discute. E me deixava soltar os cachorros, despejar as cobras, os lagartos, enquanto você engolia os sapos, rãs e cururus. Engolia com maestria. Até um dia vomita-los todos na minha cara, enquanto dizia que engolir era fácil, difícil era digerir. E me mandou ir embora, sem saber que eu já planejava ir. Mas essa parte só veio agora porque eu comecei pelo final.

Até porque, diz o clichê, no começo tudo são flores. E nós éramos orquídeas crescendo sobre as árvores, em busca de sol. E brincávamos de esconde-esconde, corríamos pelo sítio, pulávamos pelados no açude, ríamos das piabas taradas mordiscando nossas coisas. Coisas estas, que descobrimos juntos.

A cerca que separava nossas terras tinha uma pequena falha. A falha mais certa de nossas vidas. Os dois faltosos pedaços de madeira que me permitiram adentrar teus lados em busca de uma pipa qualquer. Enquanto você, arengueira, ameaçava não devolver. “Eu que aparei, ela é minha”, gritava. E eu te mandei ir atrás das tuas bonecas, costurar roupinhas e me deixar em paz, com minhas coisas de menino.

Você dava de ombros. Dava língua. Mostrava o dedo do meio. Tinhosa, como sempre foi, batia o pé no chão e dizia não. E eu te odiei. Odiei por ter me feito, a partir dali, esquecer a pipa e as demais coisas de menino. Mas antes, corri atrás de ti, até cairmos no chão, nos atracando numa briga digna de filhotes de cães. A pipa já não tinha mais papel de seda, teus cachos enfeitados com folhas secas e você, ofegante, pedia trégua.

Deitamos lado a lado no chão. Tomamos minutos de fôlego em silêncio, até você quebra-lo com um riso baixo, que foi aumentando e aumentando devagar até se transformar na melhor das gargalhadas já registradas por minha memória auditiva. “Ta rindo de quê, em, menina velha?”. “To rindo da tua pipa, que ta só o bagaço. Nem tu nem eu vamos poder brincar”.

Eu lembro, Soraia. Eu lembro que foi assim. Lembro até do teu primeiro abraço demorado, quando terminei de consertar a escada da tua casa na árvore. Três degraus soltos, doze pregos, um martelo, um erro a cada cinco marteladas e um beijo no meu rosto a cada dedo machucado, pra aliviar a dor. Lembro que foi ali, naquela casa, que descobri teu corpo, o cheiro da tua nuca, teus beijos, tuas primeiras taras.

Foi assim.  Te escrevo em resposta aquela carta sem cabimento pra te dizer que não. É claro que eu não esqueci. Te contei de rabo a cabo, de trás pra frente como nossa história se deu porque, ao relembrar, eu sempre preferi terminar pelo início e começar pelo fim.

Beijos.

Jairo

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Caras jabuticabas


Nunca esqueci o dia em que cruzei com aquele serzinho. Serzinho este que me fez gelar em pleno sol acreano de meio-dia, que por aqui se exibe mais cedo, e calor de abafar bom humor. Ida pro trabalho, terminal de ônibus lotado e me deparo com aqueles olhinhos. Duas jabuticabas de brilho intenso fugidas do pé a me observar atentamente e me invadir a alma. A me estudar de forma minuciosa - um estudo rigoroso que ia além dos traços do rosto, harmonia da face, disposição entre boca, nariz, olhos ou queixo. Nada parecia escapar. Meus defeitos, qualidades, desejos, medos, angústias, dúvidas e certezas. Estava tudo lá, estampado no reflexo daquele olhar fixo e atento da mocinha em miniatura cujo nome nem sei. São tão completas e inteiras essas pessoinhas que a gente insiste em chamar de pedaço. Pedaços de gente, pedaços da gente... O franzido de sua testa não lhe deixa esconder o estranhamento natural de quem se depara com o desconhecido e faz força pra compreendê-lo. Me senti despida de qualquer máscara, dessas que se usam eventualmente para se esconder de julgamentos alheios. No final, um sorriso. Um sorriso breve e sincero de aprovação como quem dizia "te vejo inteira e gosto". Pôs a mãozinha na boca, deitou a cabeça nos ombros da mãe que lhe beijou a testa e sumiu. Sumiu entre a multidão em polvorosa ao ver o ônibus chegar. Sumiu do breve momento daquele contato único. Por não se repetir. Por ser raro e caro de se lembrar.










segunda-feira, 12 de março de 2012

É da natureza:

Nascem vermelho-paixão, depois as coisas vão ficando pretas...
Serve tanto para amores, quanto para amoras.

terça-feira, 6 de março de 2012

Gramática dramática

Enquanto ela soltava o verbo, eu fazia uma oração. Oração subordinada a ser substantiva, objetiva e direta de meu principal desejo: “que ela me perdoe, que ela me perdoe, que ela me perdoe”... Ela conjugava em alto e bom som o “ir” do amor que em nós um dia se fez tão presente, e a cada pronome se mostrava cada vez mais pretérito apesar de perfeito. “Eu fui pra ti um objeto, enquanto tu... Tu foste meu amor. Ela foi só mais um, entre tantos motivos. Nós fomos o que nunca mais seremos. Vós fostes o culpado... Eles e elas foram testemunhas”. Depois passou a me atirar objetos. Objetos, direto no rosto. Objetos, direto de suas mãos suadas e trêmulas... Foi assim, quando amar tornou-se verbo transitivo em transição. E apesar de precisar, perdeu seu complemento.



Ponto final.